Caso Bolsonaro põe imunidade em xeque
As declarações do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) sobre negros e homossexuais, consideradas racistas e homofóbicas, desencadearam na semana passada um ácido debate sobre os limites da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar. Falou-se tanto em cassação de mandato quanto na possibilidade de não haver nenhuma punição possível. Tecnicamente, o deputado está protegido pelo artigo 53 da Constituição de 1988, segundo o qual os direitos de deputados e senadores são invioláveis em qualquer caso de manifestação de opinião. Mas segundo especialistas ouvidos pelo Estado existem três possibilidades de punição.
A primeira delas, a de maior consenso, fala na punição pela própria Câmara, se for constatado que ele violou regras do decoro parlamentar. A segunda ocorreria no caso de se aceitar a tese de que ele não estava no exercício da profissão quando fez as declarações ao programa humorístico CQC, da TV Bandeirantes. Nesse caso não disporia de imunidade e poderia ser levado à Justiça.
A terceira hipótese, a mais polêmica, mas não menos citada nos debates que animaram as redes sociais virtuais na semana passada, defende a tese de que a imunidade parlamentar não atinge a prática de crimes - como o crime de racismo, do qual ele é acusado.
'Eu nunca daria meu voto a esse deputado, que é preconceituoso e estimula condutas antiétnicas fronteiriças ao nazismo. Mas é preciso considerar que, se ele emitiu suas opiniões no exercício do mandato, está fundamentalmente protegido pela imunidade parlamentar que aparece no artigo 53 da Constituição', observa o advogado Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP. 'Ele diz que eles não podem ser punidos civil e penalmente por questão de opinião, palavra e voto. Não pode haver controle externo da Câmara.'
O controle de eventuais abusos cabe à própria Câmara, segundo Serrano. Ele acredita que a primeira tarefa dos parlamentares encarregados de tratar do caso deve ser a análise do programa de TV. 'Para mim não está claro se ele entendeu mesmo a pergunta feita pela cantora Preta Gil, sobre como reagiria no caso de um filho dele se relacionar com uma mulher negra', afirmou. 'Mas se a Câmara concluir que entendeu e quis ofender, dizendo que não iria discutir relações promíscuas, ele tem de ser cassado.'
Na atividade
Para o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio de Souza Neto, a questão inicial mais relevante é definir se ele estava mesmo exercendo a atividade parlamentar quando falou. 'A imunidade só vale no exercício efetivo da atividade', enfatizou. 'Ele manifestou aquelas opiniões num programa de entrevistas e também humorístico, falando da família dele, de relacionamentos, cogitações de cunho privado que não envolviam projetos de lei e debates legislativos.'
Souza Neto também aponta a hipótese de julgamento por crime de racismo. 'Ao mesmo tempo que garante a imunidade nos casos de opinião, palavra e voto, nossa Constituição reprova com vigor a prática do crime de racismo, o único que foi caracterizado pelos constituintes como inafiançável e imprescritível.'
Se o processo seguir na linha da judicialização, o mais provável é que acabe chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF), que até hoje não apreciou nenhum caso desse tipo.
O debate apenas começou. Logo nos seus primeiros momentos, Bolsonaro deixou clara sua estratégia de defesa. Vai argumentar que se confundiu com as perguntas, previamente gravadas, e não teve intenção racista. Em relação aos ataques aos homossexuais, não vai recuar e, se possível, pretende até avançar. 'Estou me lixando para o movimento gay', disse na terça-feira. Três dias depois seus dois filhos que também seguem a carreira parlamentar, um como vereador e outro como deputado estadual, no Rio, engrossaram o coro, dizendo que o alvo da família é o culto à homossexualidade que afirmam existir no Brasil.
Para grupos que advogam a punição, Bolsonaro, conhecido também por defender violações de direitos humanos ocorridas nos anos da ditadura militar, incluindo mortes e torturas, já teria ultrapassado a fronteira do democraticamente aceitável.

Roldão Arruda, estadao.com.br