Senadora quer criar organismo específico para investigar e tratar de abusos cometidos contra as mulheres no Legislativo.
Em 9 de março, um dia depois do Dia Internacional da Mulher, a Secretaria Geral da Mesa do Senado recebeu um projeto de resolução que, caso seja aprovado no Congresso, pode coibir eventuais abusos por parte de diretores e ocupantes de postos de chefia na Casa – em que, vale sublinhar, as mulheres são a grande maioria das vítimas. Formalizado e subscrito pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), o Projeto de Resolução do Senado no 06/2011 “acrescenta capítulo à Resolução nº 20 de 1993”, que dispõe sobre o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Em resumo, a proposição cria o Comitê de Defesa da Mulher contra Assédio Moral ou Sexual.
“Ainda é comum em nossos dias (...) o pouco respeito que alguns demonstram para com a condição feminina. Assim é o caso do assédio moral, em que muitas trabalhadoras são expostas a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho. Por sua vez, o assédio sexual é uma das formas mais degradantes da demonstração de tal desrespeito, e todos os esforços legais devem ser feitos para o seu combate (...)”, diz a justificativa do projeto, ressalvando que “nenhum caso concreto” inspirou sua apresentação. Para Gleisi, o importante é “chamar a atenção” para o tema, e que o Senado se torne exemplo “a ser seguido por todos os outros parlamentos brasileiros”.
Segundo a matéria, o comitê será formado por três senadoras indicadas por lideranças partidárias para um mandato de dois anos, prorrogáveis por igual período, por uma única vez. No início da primeira e da terceira sessão legislativa de cada legislatura, os partidos devem submeter à Mesa Diretora as senadoras candidatas a integrar o colegiado. Caberá à Mesa eleger os nomes.
O artigo 28º do capítulo VIII é claro: “Compete ao Comitê receber denúncias de servidoras efetivas, comissionadas e terceirizadas do Senado Federal contra assédio moral ou sexual”. Segundo o texto, caso as denúncias tenham fundamento, um relatório será preparado pelo colegiado e encaminhado ao Conselho de Ética do Senado para as devidas providências (abertura de processo administrativo, definição de punição etc).
Caso seja verificada a não fundamentação da queixa, caberá ao mesmo Conselho de Ética remetê-la ao arquivo. Mas o parágrafo 3º do mesmo dispositivo tranquiliza as eventuais denunciantes de assédio. “A servidora que prestar denúncias perante o Comitê terá sua identidade preservada, no caso de não abertura de processo.”Mas a autora do projeto faz questão de enfatizar que o projeto é proativo, ou seja, se antecipa às circunstâncias funcionais para impedir que abusos ocorram. “É uma barbaridade uma instituição do porte do Senado se recusar a ter uma comissão neste sentido. Se isso acontecer, eu vou crer que há grandes problemas em relação a assédio moral e sexual aqui dentro”, pontua a parlamentar.
Em entrevista ao Congresso em Foco no dia em que a matéria foi protocolada, Gleisi negou ter conhecimento de algum caso comprovado de assédio sexual ou moral, mas disse que toda e qualquer denúncia que chegar ao comitê, incluindo-se senadores, resultará em punição caso seja comprovada. “Os tempos são outros. Precisamos dar respostas a essas situações”, observou a petista.
Refugo
O Congresso em Foco apurou que ao menos cinco senadores já desistiram de apoiar a proposição. A alegação, segundo um servidor que não quis se identificar, é que a matéria poderia representar constrangimento em setores diversos.
Em alguns casos, diz, servidores de alto escalão são responsáveis por atividades diretamente atreladas aos trabalhos de gabinete – o que, segundo o servidor, representaria mal estar e situações delicadas para parlamentares em caso de denúncias motivadas pelo projeto de resolução.
O mesmo servidor, há décadas no quadro efetivo do Senado, disse ainda que alguns casos até chegaram a ser comentados entre vítimas e colegas próximos – e que até um senador, em legislatura recente, assediou moral e sexualmente uma servidora do gabinete de uma liderança na Casa. Acuada e com medo de se tornar nacionalmente conhecida, a vítima decidiu contornar a situação até que foi deslocada de gabinete. A fonte não quis revelar os nomes dos envolvidos.
Assédio na polícia
A questão dos assédios sexual e moral não é novidade em empresas públicas ou privadas Brasil afora – embora, pela delicadeza do assunto, ainda tenha status de tabu no país. No Senado, há alguns casos que, tratados internamente, acabam por manter a impunidade para os infratores – ocupantes de postos de chefia que se valem da hierarquia funcional para constranger subordinadas com intenções escusas.
Embora ainda não haja legislação específica para o assédio moral, há jurisprudência sobre o assunto emitida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A despeito da não previsibilidade legal, graças ao entendimento da corte alguns casos registrados Brasil afora já resultaram em punição para os acusados. Já sobre assédio sexual, ainda não há legislação específica no país.
Em razão da inexistência de legislação sobre o assunto – e, em boa parte, ao tabu que ele representa –, o próprio Senado registrou, nos anos 1990, um caso de assédio sexual. Mais precisamente em 1995, uma servidora lotada na Polícia Legislativa denunciou o então diretor Francisco Pereira da Silva pela prática. O caso foi devidamente formalizado e, após chegar à cúpula administrativa, resultou em abertura de inquérito disciplinar. Mas, devido ao pouco (ou nenhum) avanço nas investigações, foi arquivado por falta de provas. O servidor acusado continuou na função até se aposentar, pouco tempo depois.
Congresso em Foco
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