segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Tiririca desafia ditadura do terno no Congresso com jeans no trabalho


Exigência do passeio completo na Câmara já deixou deputados em saia justa



Quem trabalha no ambiente corporativo já sabe: para não fazer feio, é bom adotar o chamado “passeio completo” que, em linhas gerais, é o conjunto terno, camisa e gravata, para os homens, e o tailleur ou vestido, para as mulheres. A dica vale para o Congresso também, mas com uma diferença importante: lá, quem foge à regra pode até ser barrado na porta.


Não foi o que aconteceu com o deputado federal e humorista Tiririca (PR-SP), que nos últimos dias decidiu trocar a calça de alfaiataria por uma calça jeans. Como na Câmara a recomendação não é uma regra por escrito, o parlamentar não sofreu nenhuma represália – só chamou a atenção. Mas se isso tivesse ocorrido no Senado, o problema seria muito maior, pois o uso do passeio completo é uma obrigação registrada em papel nesta Casa – onde as mulheres só puderam trocar as saias pelas calças sociais em 1997.


Mesa Diretora e o departamento responsável pelo cerimonial da Câmara explicaram que as dicas para o guarda-roupa dos parlamentares nunca constaram em regimento interno. Entretanto, algumas normas são vistas como “lei” na Casa, como a obrigatoriedade do uso da gravata e do blazer – sem os quais não é permitido entrar no plenário –, e a proibição das bermudas – o maior “vilão” contra o estilo do Legislativo.

Para a consultora de moda e pesquisadora de comportamento Andreia Mirón, professora da Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo, a escolha de Tiririca pelo jeans foi uma “gafe protocolar”, mas que pode aproximá-lo ainda mais de seus 1,3 milhão de eleitores.

- É uma gafe protocolar. Mas o jeans surgiu na década de 70 para ser a peça mais democrática, usada independentemente da classe social e da cultura. E o Tiririca, por ser uma “representação” do povo, o utiliza de uma forma que as pessoas entendem. É uma aproximação que ele cria com as pessoas que o elegeram, [...] mesmo que isso não tenha sido arquitetado ou projetado.

Na Câmara, há apenas uma regra no regimento interno que aborda a questão das roupas: a que recomenda que a pessoa esteja “convenientemente trajada” para circular pela Casa (artigo 272). Entretanto, para evitar situações constrangedoras – como a ocasião em que o então deputado Clodovil Hernandes foi barrado pela falta da gravata –, todos os deputados recebem, logo no início da legislatura, algumas orientações (válidas especialmente para o dia da posse) – entre elas, uma que fere o “estilo Tiririca”: não usar jeans, tênis ou sandálias rasteiras.

O presidente da Câmara pode, no entanto, mudar as regras internas e, se quiser, vetar ou liberar alguns trajes na Casa. Isso ocorreu em 2007, quando foi proibido o uso de chapéus e bombachas em plenário. Na ocasião, a medida desagradou o então deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), habituado a usar o traje típico gaúcho.


“Saias justas” e protestos


Mas as “leis” do guarda-roupa não agradam a todos e já causaram algumas situações chatas em Brasília – onde as temperaturas elevadas são as maiores inimigas dos casacos e paletós.

A deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), por exemplo, foi impedida de acompanhar a uma sessão no STF (Supremo Tribunal Federal), em maio deste ano, por ter esquecido o blazer, conforme contou pelo Twitter, na ocasião.

- Tentei acompanhar julgamento da união homoafetiva. Esqueci que aqui no STF a seriedade é também medida pelo uso de blazer.

Na maior Corte do país, as normas são ainda mais duras e valem até para quem só quer acompanhar da plateia a um julgamento. Para se ter uma ideia, as mulheres que frequentavam a Corte só puderam trocar as saias e vestidos pelas calças em 2000, mas a ministra Cármen Lúcia só estreou o visual no plenário 2007 – sete anos após a chegada da então colega Ellen Gracie, primeira representante feminina do Tribunal e adepta dos vestidos e saias.

O descontentamento com as normas do Congresso chegou a tal ponto que, em 2007, o ex-senador Mão Santa (PSC-PI), entrou com um mandado de segurança no STF pedindo a liberação do uso do chapéu na Câmara, sob o argumento de que a proibição era “ato ilegal, arbitrário, discriminatório e preconceituoso”. O processo foi arquivado, mas a consultora Andréia Miron lembra que, independentemente de regimento, não se deve usar acessório em nenhum ambiente fechado.

Embora não faça tanto calor em São Paulo quanto em Brasília, o clima tropical também foi o argumento usado pela ex-vereadora Soninha Francine (PPS) para pedir o fim da “ditadura do terno” na Câmara Municipal.

- O uso do paletó e da gravata tem conotação meramente simbólica, mas, de fato, não se coadunam com o clima tropical e a realidade econômica do Brasil. Entendemos que devam prevalecer e ser incentivados o uso de vestimentas que aliem conforto e preço, e não simples adequação ao padrão estético de nossos colonizadores.

O projeto foi arquivado em 2009 e os vereadores continuam “reféns” dos blazers na capital paulista. Andréia lembra, porém, que é possível escapar do calor optando por peças com tecidos leves, como voais, crepes e musselines, por exemplo. Já o jeans pode até não ferir nenhuma regra, mas não é muito bem visto no ambiente corporativo – dentro ou fora do Legislativo.



R7

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